O espelho do mundo no Portugal Fashion

Apesar do distanciamento físico, a 47.ª edição do Portugal Fashion procurou estar mais próxima do que nunca dos designers e acabou por ser um espelho do mundo atual. Em versão digital, física ou híbrida, as propostas mergulharam nas questões sanitárias atuais, mas também anteciparam um horizonte otimista, mais sustentável e livre.

Depois da 46.ª edição ter sido cancelada pela evolução da pandemia, o Portugal Fashion regressou à Alfândega do Porto de 15 a 17 de outubro para ser a necessária montra das criações dos designers de moda portugueses. «Foi particularmente desafiante mas também gratificante perceber que realmente 25 anos depois, o Portugal Fashion continua a ser uma máquina capaz de se reinventar e de se adaptar aos tempos e aos desafios que toda esta pandemia trouxe, quer à economia, quer a todo este sector particular da moda», afirmou Mónica Neto, diretora do Portugal Fashion. «Achámos que fizemos aqui um trabalho que vai permitir a todos os designers uma apresentação bastante diversificada e até bastante personalizada às suas estratégias», explicou.

A redução do número de pessoas participantes no evento foi uma das medidas mais notórias implementadas pela organização, sob a chancela da Anje, para garantir a segurança de todos, numa altura em que a pandemia volta a atingir valores preocupantes. Medição da temperatura, circulação obrigatória em sentidos únicos e higienização com desinfetantes nas zonas de passagem foram outras das normas estabelecidas.

«Acima de tudo, as restrições de saúde pública obrigam-nos a reduzir a capacidade de público que habitualmente vinha, mas também a um enfoque maior naquilo que é o público profissional e no que são os grandes princípios do Portugal Fashion enquanto plataforma: muito além da comunicação, tem que ser uma plataforma de promoção, de negócio e de comercialização e esse foi o grande desafio», reconheceu a diretora do Portugal Fashion. «Acredito que ainda haverá muito a fazer, mas vamos criar aqui ferramentas que vão ser profícuas para todos», garantiu.

Com um peso cada vez mais crescente, o digital acabou por complementar as apresentações de alguns designers e funcionar ainda como um elemento de ligação para com o público que não teve a possibilidade de comparecer no evento de moda dada a lotação máxima de 200 pessoas.

Mensagens na passerelle

Da sustentabilidade à política, a passerelle encheu-se de mensagens, umas mais otimistas, outras nem tanto.

Júlio Torcato “ergueu a voz” para lutar contra a demagogia de alguns políticos e, num comício encenado, com presença de pessoas mas também de manequins de plástico, as propostas passaram uma mensagem mais profunda de apelo ao espírito crítico e luta pela liberdade.

Já no Hotel Neya, a marca Sophia Kah foi mais otimista. «A coleção foi inspirada no que estamos agora a viver com a pandemia e em dar resposta ao que as pessoas precisam, que é roupa mais bonita para saídas pequenas. Basicamente peguei nas nossas assinaturas de coleções passadas e acrescentei alguns elementos novos. Chama-se Dreams, as pessoas têm que continuar positivas e a viver, porque a vida continua», revelou Ana Teixeira de Sousa, criadora da Sophia Kah, ao Portugal Têxtil.

Para a Pé de Chumbo, a pandemia também serviu de inspiração, sendo que a coleção nasce como um «alerta e um repensar de tudo o que está a acontecer». «O tema é a primavera volta sempre, porque ela voltará. Quis juntar um bocadinho a sensibilidade, com aqueles brancos, as rendas, e a dureza do que estamos a sentir e do que possamos vir a sentir», adiantou Alexandra Oliveira, que optou por uma coleção onde «tudo é reciclado», sublinhou.

Sustentabilidade foi também a tónica das propostas da dupla Marques’Almeida, que desfilou num terraço pintado de amarelo com vista para o Porto. «A nossa preocupação nestes meses tem sido sobretudo como tornar a marca mais sustentável e a nossa abordagem criativa foi um pouco dominada por isso», justificou Marta Marques ao Portugal Têxtil.

«Tinha de ser uma coleção mais pequena, muito mais coesa, com materiais que fossem sustentáveis – isso tem estado a ser a força motriz da nossa criatividade», admitiu, destacando a inexistência de fibras sintéticas que não sejam recicladas e a aposta em algodões orgânicos e viscoses certificadas.

Inês Torcato também não ignorou a responsabilidade ambiental e acrescentou uma missão social e o anúncio do lançamento da nova marca Torcato, agendado para 22 de dezembro. «O conceito da coleção é algo que tenho já vindo a trabalhar há algum tempo na minha marca Inês Torcato e que estou agora a transportar para a parte comercial da marca nova Torcato», apontou a designer. «Tem a ver com abraçarmos as diferenças que temos», salientou.

Viagem de memórias

No caso da marca Ernest W.Baker, da dupla de designers Inês Amorim e Reid Baker, que participaram no calendário da Semana de Moda de Paris, o confinamento contribuiu como fonte criativa na elaboração de um trabalho «bastante pessoal».

«A coleção foi feita durante o confinamento, por isso foi muito inspirada nessa altura em que estivemos a ver vídeos de família, os arquivos dos dois», esclareceu Inês Amorim «Foi uma mistura do tempo antigo e do tempo atual», apontou.

Também Maria Meira, que integra a plataforma Bloom, aproveitou para rever os momentos com as avós.

«Tentei-me lembrar um pouco de ambas e começar por aí. As bolas são da avó paterna, as flores são da avó materna. As ombreiras são um bocado das duas porque na altura era o que se usava mais. Tentei ir buscar um bocado de ambas», assegurou a designer.

Contrastes e harmonia

O parque de estacionamento foi a passerelle de Maria Gambina que apresentou a coleção Quarentena Funcky, onde o branco foi quem mais ordenou, seguindo-se de uma predominância de tons néon.

Os tons de rosa, azul e bege marcaram a exibição de Miguel Vieira, que juntamente com cada uma das tonalidades e dos coordenados apresentou três cocktails, no respetivo tom, em parceria com o Vogue Café, uma ideia que resultou da vontade fazer algo «um bocadinho diferente», confessou.

Num olhar geral sobre a passerelle do Portugal Fashion, destacam-se as rendas e as sedas como tendência, como é exemplo a marca internacional Sophia Kah e, esta última, também presente nas criações de ARIEIV. Para a próxima estação, o denim não deixa de estar presente, quer seja em grande plano ou até mesmo em pequenos detalhes, como é visível no caso das marcas Pé de Chumbo e Maria Meira. Podem ainda esperar-se modelos fluidos e volumosos no caso da Unflower e um contraste entre cores que integram os padrões das peças com assinatura Susana Bettencourt.

Jovens com futuro

O programa contemplou ainda o Concurso Bloom que, no seu 10.º aniversário, e entre os oito concorrentes, premiou Maria Carlos Baptista e Marcelo Almiscarado, este último já vencedor para Portugal do Fashion Design Competition de 2019.

Cada um eles recebeu um prémio monetário de 4.000 para desenvolver as próximas coleções, a garantia de uma presença no calendário no Portugal Fashion de 2021, tanto em março como em outubro, um estágio remunerado de nove meses na Sonae Fashion, que pode passar pelas diferentes marcas da empresa, e ainda a possibilidade de apresentar uma nova marca ao Fashion Lab da Sonae.

A menção honrosa foi atribuída a um coordenado de Huarte, que vai ser produzido e vendido por uma das marcas da Sonae Fashion. O designer recebeu ainda um prémio monetário no valor de 1.000 euros.

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